segunda-feira, 7 de maio de 2007

Hoje é o dia…

Hoje é o dia dos Cristãos.
Na liturgia de hoje (Act 14, 21b-27; Ap 21, 1-5a; Jo 13, 31-33a 34-35) recordamos o esforço evangelizador dos apóstolos (1ª leitura) e apre(e)ndemos e actualizamos o n/ plano de acção, o mandamento que nos deve conduzir e distinguir (Evangelho).

«Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.»

Não celebramos hoje a revelação do Deus feito menino entre nós.
Tampouco recordamos hoje, particularmente, a redenção da ignominiosa morte na cruz.
Não festejamos hoje, em especial, a salvífica ressurreição, nem sequer a força e o discernimento do Espírito sobre nós...
Tudo isso é pressuposto – sabemos que somos amados, que somos livres e que podemos ser fortalecidos -, mas hoje a nossa liberdade deixa de ser uma ideia bonita e joga-se na vida e no outro.
Uma só lei liberta-nos da lei e obriga-nos à conversão (Rom 7, 6).
Hoje é connosco.
É a nossa vez.
É a vez da nossa vontade esclarecida e da nossa acção comprometida na construção do Reino. É assim que ele se constrói.

O mandamento do Amor é simultaneamente o plano e a ferramenta para a edificação da cidade de Deus (cfr. De civitate Dei contra paganos), que o autor do Apocalipse viu (cfr. 2ª leitura).
Dou-vos um mandamento novo…
Novo?
É este um mandamento exclusivamente cristão?
- «mas não existia já este mandamento na antiga lei de Deus?» ,
perguntava Agostinho de Hipona. - cfr. Lv. 19, 18
- Mas não existe um chamamento ao amor em todas as manifestações generosas do homem, nomeadamente nas de índole religiosa?,
perguntamos nós.
Este mandamento é novo porque não é um amor qualquer, não é um amor puramente humano, que nos tenha a nós próprios como modelos e que possa ser vivido apenas com as nossas forças e vontade.
O altruísmo e o amor que existe entre um homem e uma mulher, entre pais e filhos, entre todos os que estão unidos por vínculos afectivos são admiráveis, mas têm uma medida humana.

Cristo distingue o Amor que nos manda viver do amor puramente humano ao concretizar: «como Eu vos amei».
E como é esse Amor?
É um Amor de entrega total, um Amor que O levou a dar a vida por nós, por todos nós.
Este mandamento é novo porque este Amor faz de nós homens novos, ao exigir de nós a conversão, a entrega total que nos despoja do homem velho.
«É este amor que nos renova transformando-nos em homens novos, herdeiros do Testamento Novo, cantores do cântico novo»
Sto. Agostinho
A Igreja tem que ser ainda mais do que um clube de beneficência, por mais úteis e generosos que sejam os Lions, os Rotary e todas as demais instituições de solidariedade…
Mais do que agentes do amor humano, temos que ser instrumentos do Amor de Deus.
Que responsabilidade a nossa, a de não desafinar…

Mas hoje é, também, o Dia da Mãe.
Muitas mães são, em relação aos seus filhos, o sinal do Amor de Deus. E experimentam-No, através da sua entrega incondicional em relação a eles.
Tributários de uma visão patriarcal do mundo, tendemos a ver Deus Pai de acordo com o cliché que descreve o pai humano:
- Distante, justo, disciplinador, por vezes autoritário… (e por isso, caímos tantas vezes na tentação – herética - de adorar Maria, mãe de Jesus e nossa mãe).
Se para concebermos o infinito carecemos de imagens humanas (e não é necessário que assim seja), temos - para além de Jesus, Deus que se revela –, uma imagem muito mais aproximada de Deus Pai nas nossas mães e no amor que nos dedicam.
O amor das mães é, o mais das vezes, um amor generoso, feito de entrega, atento, amável, envolvente, que passa pelo conhecimento profundo e pela identificação de um ser com outro ser, que é carne da mesma carne e sangue do mesmo sangue.
E quantas vezes esse amor quase cego não conduz a excessos…
Nesse sentido, Maria, modelo de mãe, não parece tê-los cometido:
Não consta que tenha querido fazer d’Ele doutor, ou engenheiro, a todo o custo. Respeitou-O na Sua individualidade (ia para escrever que O deixou ser independente, mas a frase prestar-se-ia a trocadilhos…) e na Sua vontade. Não O quis ver casado com Marta ou Maria. Atenta e preocupada não o super-protegeu. Dava-Lhe a conhecer a sua própria preferência, mas não lha impunha (vd. Caná), não O manipulou, não O tentou virar contra o Pai, nem, que se saiba, contra o pai, não se apropriou d’Ele, mas esteve sempre por perto, até ao fim. Não lhe cobrou as dores de parto, a fuga para o Egipto, o sobressalto do diálogo com os doutores, a angústia do julgamento, o sofrimento de testemunhar a morte de perto, sentindo-a nas entranhas.
As outras, as nossas mães, fazem o melhor que podem, e normalmente conseguem muito.
Que todas elas possam ser como ela, Maria, primeiras participantes no mistério da criação, primeiros anjos que amparam e guiam um filho de Deus e do homem, único, irrepetível e, a seu modo, maravilhoso.

Maravilhoso é o riso, que hoje também festejamos.
O riso é um foguete que estala e ilumina fugazmente ambientes cinzentos ou de trevas.
Acredito que seja divino, uma provocação de Deus aos nossos esquemas e às nossas pequenas e aparentes seguranças.
Arranca do fundo do nosso ser uma reacção às vezes incontrolável, que nos desestabiliza.1

E pode deixar-nos a pensar, fazendo suceder a reflexão à alegria e ao prazer do desconcertante.

«Rimos essencialmente em situações sociais e geralmente em momentos de felicidade, prazer e brincadeiras, mas sabemos que ele é muito mais do que apenas uma mera manifestação de alegria. Ele também atenua hostilidade e agressão (repare como utilizamos o riso quando queremos atenuar uma típica tensão entre estranhos ou necessitamos dizer não a alguém. Nós frequentemente rimos quando nos desculpamos. O riso desarma as pessoas, cria uma ponte entre elas e facilita o comportamento amigável. A função do riso é a de comunição. É uma mensagem que nós enviamos às outras pessoas comunicando disposição para brincar, ligar-se a elas, ficarmos felizes e fazê-las felizes, mostrarmos que somos pacíficos. Precisamos dos risos e das brincadeiras para interagirmos como indivíduos com o grupo social no qual nos inserimos, e também para aliviar as tensões sociais do cotidiano. O riso, as cócegas e as brincadeiras estão entrelaçados de formas bastante complexas e são uma das nossas primeiras experiências de vida.» (Sílvia Helena Cardoso, aqui)


É, ou pode ser, um clarão de inteligência e perspicácia, assinalando as contradições e o ridículo das nossas vidas.
Frequentemente iconoclasta constitui um perigo para os poderes instituídos, estejam eles instalados na n/ cabeça ou na sociedade onde vivemos.
Mas há, também, um riso sinistro, verdadeiramente demoníaco… é a gargalhada obscena que damos sempre que a imaginação e o espírito são postos ao serviço do preconceito e da intolerância.2
Domingo, 6/5/2007
Pedro Cruz

P.S. 1 - O riso inicia uma cadeia de reações fisiológicas. Activando o sistema cardiovascular, aumenta a frequência cardíaca e a pressão arterial. Então, as artérias dilatam-se baixando a pressão sanguínea. Contrações fortes e repetidas dos músculos da parede torácica, abdomen e diafragma aumentam o fluxo de sangue nos vários órgãos. A respiração forçada pelas gargalhadas aumenta o fluxo de oxigénio. A tensão muscular diminui.
Muitos sistemas fisiológicos, nomeadamente o imunitário, o circulatório, etc., prejudicados pelo stress, a depressão e a frustração, conhecem melhorias atraves do riso. O riso também pode promover mudanças hormonais benéficas. Para além do mais liberta endorfinas (transmissores neuroquímicos), que reduzem a sensibilidade à dor e promovem sensações prazer e de bem estar.
2 - No fundo era esse o riso que o monge assassino do romance de Humberto Eco – o Nome da Rosa – temia e abominava.

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