quarta-feira, 30 de abril de 2008

Santa Catarina de Sena (Siena)

Ontem, dia 29 de Abril, a Igreja comemorou a festa de Santa Catarina de Sena, n. 25 de Março 1347, † 29 de Abril 1380.
Doutora da Igreja - assim o declarou o Papa Paulo VI, em 1970 -, foi, até hoje, a única leiga a merecer tal distinção.
Viveu numa das épocas mais perturbadas da história do Ocidente.
Nos fins do século XIV o mundo (Europa) sofreu a terrível peste negra, enquanto se libertava da época medieval.
Portugal preparava-se para passar pela crise dinástica de 1383-85.
A Península Itálica encontrava-se em ebulição, envolvida em graves disputas políticas à volta do papado.
Na Igreja, anunciando já as tensões que cem anos mais tarde culminariam na Reforma, a crise do papado prenunciava o cisma que se iniciaria em 1378, durando quase 40 anos e só resolvido no Concílio de Constança, iniciado em 1414.
De idiossincrasia contemplativa, Catarina nasceu numa grande família de Siena/Sena (com uma irmã gémea, que não sobreviveu, foi a mais nova de 24 irmãos) e envolveu-se nos mais delicados problemas da política e da religião do seu tempo.
Filha de um tintureiro, Giacomo di Benincasa e de sua mulher Lapa, tornou-se conselheira de Papas, sendo lida e escutada com admiração por teólogos e príncipes.
Com 15 anos ingressou na Ordem Terceira de São Domingos (Laicado de São Domingos), tendo passado a viver, em casa, em rigoroso ascetismo.
Relatou ter tido visões, a primeira das quais, aos seis anos, determinante para a sua futura heroicidade. Ficou estigmatizada (em 1375) e ouviu Cristo anunciar-lhe que passaria a trabalhar pela paz, mostrando a todos que uma mulher fraca pode envergonhar o orgulho dos fortes.
Em 1366, após uma nova visão, passou a dedicar-se aos doentes, condenados e moribundos - exercícios naturais no âmbto do apostolado da Ordem Terceira de São Domingos -, tendo sido especialmente abnegada por ocasião dos surtos da peste negra.
Foi responsável por varidadíssimas conversões.
A sua personalidade forte e fé ardente granjearam-lhe dedicados seguidores.
Numa altura em que a participação da mulher, ainda considerada objecto e ocasião de pecado, nã tinha qualquer relevância, na Igreja e socialmente, Catarina exerceu grande influência religiosa e mesmo política, na sociedade e na Igreja do seu tempo.
Revelando ser uma mulher empenhada social e politicamente, mostrou estar séculos à frente em relação aos padrões de sua época.
Inclusivamente, foi ouvida em consistório de cardeais, o que dificilmente poderia ocorrer nos dias de hoje.
Em 1377 convenceu o papa Gregório XI, então em Avignon, onde a Cúria se havia estabelecido (e afrancesado), a voltar a Roma, o que aconteceu, em Janeiro.
Este, porém, morre no ano seguinte, início de 1378, tendo sido eleito Papa, em Roma, Urbano VI. No mesmo ano, é eleito em Conclave o papa Clemente VII, que se estabelece em Avignon e acaba sendo excomungado e declarado o novo anticristo por Urbano VI.
É o Grande Cisma do Ocidente.
Santa Catarina tenta, com suas cartas, o reconhecimento da legitimidade do Papa Urbano VI por parte de governantes e cardeais europeus.
Irascível e sem dotes políticos, o Papa pede-lhe ajuda como conselheira, pedindo a sua presença em Roma, e ela vai.
Em 1380, sofre um derrame e morre dias depois, em 29 de Abril.
Sua cabeça está em Siena, onde se mantém sua casa, estando o seu corpo em Roma, na Igreja de Santa Maria Sopra Minerva, próximo do de Fra Angelico.
Um de seus seguidores (e confessor), Fra Raimundo de Cápua O.P., posteriormente Mestre da Ordem Dominicana, escreveu a biografia de Santa Catarina, que influenciou seu processo de canonização, a qual foi decretada pelo Papa Pio II em 1461.
Analfabeta (terá aprendido a ler no curto espaço de um extase, em 1371?), Catarina ditou mais de 400 cartas (Epistolário), de grande inspiração e fino recorte literário, dirigidas a diversas pessoas - Papas, Cardeais, Nobres, leigos e leigas - sobre diversos assuntos, mas boa parte delas lutando pela unificação da Igreja, a pacificação dos Estados Papais e o reconhecimento do papa Urbano VI.
Em 1378 ditou, também, em 5 dias (de extase), o Diálogo (ou Tratado) sobre a Divina Providência, acerca da vida espiritual do homem, sob a forma de colóquios entre o Pai Eterno e a alma humana (representada por ela própria).
Trata-se de um impressivo, admirável e admirado texto literário, testemunho da sua mística e que revela as suas ideias teológicas, de pertinência actual.

A respectiva estrutura asssenta em quatro pedidos que ela dirige a Deus:
1) - Para si: Adquirir o conhecimento da verdade;
2) - Para o mundo: Que Deus fizesse misericórdia ao mundo;
3) - Para a Santa Igreja: Que Deus viesse em Seu auxílio;
4) - Geral: Que a Divina Providência se estenda a todas as coisas.

A doutrina que resulta dos ensinamentos de Catarina de Sena assenta em dois pontos:
a) - conhece-te a ti mesmo, em Deus;
b) - combate a tua vontade própria (origem de todos os pecados) e entrega-te à de Deus.

De notar que a ideia de «conhece-te a ti mesmo» de Catarina de Sena não se esgota na introspecção e na análise psicológica (ciência naturalmente desconhecida no seu tempo), nem sequer no exame de consciência característico do cristianismo.
O conhecimento proposto por Catarina não é antropocêntrico. É, antes, relacional. E teologal.

O eu – a alma – deve conhecer-se em Deus, reconhecendo-se criatura, «como ser sustentado pela Causa Primeira». Na Graça.

Diante de Deus, o «eu» descobre que afinal é Nada, tomando consciência da sua fraqueza e dependência. O «não-ser» que só «é ser», por amor e bondade de Deus.
É por isso que a vontade própria, ao afastar este «não ser» da fonte do «ser», é a origem da ruptura, que constitui o pecado.
O homem só o é em plenitude se unido a Deus, fazendo a Sua vontade.
Para Freud e para a psicologia do n/ tempo, a cura do homem passa pela consciência de si, em ordem à recuperação de si mesmo através do próprio esforço (e/ou com o auxílio terapêutico de técnicos e/ou medicamentos) – numa perspectiva não tanto gnóstica, mas certamente racionalista.
Com os fantásticos mas ainda assim limitados recursos humanos, tenta-se exprimir o indizível, compreender o que está escondido, trabalhando o que só remotamente conseguimos controlar.
Para Catarina a consciência de si, o «conhece-te a ti mesmo, em Deus» vai muito mais longe. É, como referimos supra, um conhecimento teologal, um conhecimento em confronto e contraponto com Deus.

«A verdade é conhecida na luz da fé».
Tal conhecimento parte de um pressuposto de humildade, de renúncia de si.
A recuperação do homem passa pela entrega a Deus e pelo conhecimento e realização da Sua vontade e vocação.
Nos antípodas do desespero da experiência existencialista do século XX, em que o Homem se fecha em si, como uma ilha, num esforço de introspecção e de desconstrução, como que descascando uma cebola, que acaba no nihilismo, a salvação proposta por Catarina passa pela experiência existencial do ser, individual e característico, se encontrar e realizar unido a Deus e ao Universo. Cheio de Graça!
Trata-se da experiência fundamental em que o ser se reconhece existente pela vontade criadora de Deus, escutando e respondendo ao Seu chamamento, perseguindo e abrindo-se à comunhão com o mundo e com seu Criador.
Naturalmente, Catarina não se refere a um «eu» universal - o Homem criado à imagem e semelhança de Deus, com a aspiração de a Ele regressar -, desencarnado de uma realidade concreta.
O «conhece-te a ti mesmo, em Deus» de Catarina parte do singular de cada individuo para que este, com toda a sua força existencial característica, se dispa da respectiva vontade e entre, agora livre, numa experiência mística, em comunhão com Deus.
Nessa empresa estão todas as particularidades que o tornam único, singular e irrepetível. Que devem ser conhecidas e descobertas. Santa Teresa de Lisieux diria que estão em causa, até, as suas fraquezas. Principalmente estas.

Quem se conhece, conheça-se a si mesmo, como ser criado e chamado por Deus.
Ao conhecer-se e tomar consciência da sua incontornável fraqueza e dependência, partindo de um acto fundador de humildade, o «eu» reconhece os outros – aos pais, aos familiares, aos amigos, aos colegas, aos concidadãos, à pessoa que no outro lado do mundo produziu um objecto que nos satisfaz uma necessidade, à pessoa que num tempo passado criou uma obra que me beneficia ou delicia hoje – e a Deus – a quem deve a existência e as condições necessárias para a vida -, abrindo-se-lhes, deixando o seu egoísmo.

Catarina como que nos convida a preparar o caminho para, com Paulo, podermos dizer, «…já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim.» Gálatas 2:20

Cristo é a vida abundante e esta vida está dentro de mim porque Cristo habita em mim!

Catarina morreu com 33 anos, a idade de Cristo.

Santa Catarina de Sena é a padroeira e inspiradora da congregação religiosa feminina – Irmãs Dominicanas de Sta. Catarina de Sena, fundada por Madre Teresa de Saldanha, e cujo processo de canonização está a decorrer.
Mais informações aqui

A história da nossa paróquia está ligada a tal congregação e, em particular, ao seu Colégio de São José, sito na Av. das Descobertas, bem perto de nós.
Nas suas instalações, muitas vezes gentilmente cedidas, a paróquia foi organizando, ao longo dos anos, variadíssimas actividades, desde festas de Natal, quando a nossa igreja era, ainda, provisória, até retiros de jovens (MEJ Shalom, Mensageiros da Vida), da Catequese e de outros organismos.
Várias religiosas dessa congregação colaboraram com a catequese da paróquia.
Pelo seu pioneirismo, visão, criatividade e dinamismo, importa reconhecer particularmente o trabalho da Ir. Francisca O.P., cuja entrega e dedicação à pastoral juvenil em Algés se prolongou no tempo e produziu frutos de longo alcance, pelos caminhos que abriu.
Algés contribuiu com uma vocação consagrada para as Irmãs Dominicanas de Sta. Catarina de Sena, a Ir. Rosarinho O.P.

Pedro Cruz

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