domingo, 16 de março de 2008

Domingo de Ramos



Giotto di Bondone (1267-1337), Cenas da Vida de Cristo: Entrada em Jerusalém, 1304-06,Fresco, 200 x 185 cm, Cappella Scrovegni (Arena Chapel), Pádua

«3. Por sinal, a mistura da religião e da política, de forma consciente ou inconsciente, vai percorrer a celebração da Semana Santa.
Mais ainda, Jesus ficou – contra a sua vontade e para sempre – com um título político-religioso colado ao seu nome.
O título Cristo vem do grego "Christos", que, por sua vez, é tradução do hebreu "Mashiah", que significa "ungido", sagrado (os reis judeus eram ungidos). "Messias" é a tradução portuguesa.
Dizer que Jesus é o Cristo ou o Messias é rigorosamente a mesma coisa. Mas de que messianismo se trata?
Na próxima semana, os cristãos (os "messiânicos") celebram o desfecho de todos os equívocos que acompanharam a intervenção pública de Jesus.
Começou por vencer as tentações messiânicas – tentações do casamento do poder económico, político e religioso – que ele interpretou como satânicas.
Visavam todas o poder de dominar a título de caminho de libertação.
Quem, depois, o passou a tentar foram aqueles que ele próprio escolhera para levar avante o seu projecto de mudar a mente e o coração dos seus contemporâneos.
Este programa subversivo está expresso nas "Bem-aventuranças" (Mt 5 e paralelos).
Jesus chamara-os para um projecto e eles sonhavam, continuamente, com outro.
De nada serviu uma reunião de urgência para desfazer todos os equívocos e convencer os Doze Apóstolos de que o Mestre não dispunha de "tachos', para ninguém, nem sequer para aqueles que oferecessem a vida por um mundo onde não houvesse nem dominadores nem dominados, mas apenas irmãos:
"Aquele que dentre vós quiser ser grande seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós seja o servo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos" (Mc 10, 23-45).4.
Jesus tinha distinguido a política da religião, tinha manifestado, de forma radical, que o Templo e tudo o que andava à volta dele se tinha transformado num grande negócio, uma ofensa a Deus e aos pobres, uma traição aos profetas.
A entrada de Jesus em Jerusalém, celebrada hoje, Domingo de Ramos, é o paradigma de todas as ilusões que a próxima semana vai desfazer da forma mais cruel.
Aclamam-no como o novo rei David, o rei messiânico, a presença visível do braço de Deus que os salva da humilhante ocupação romana.
Não viram que a revolução de Jesus, expressa nas "Bem-aventuranças", é mais do que uma mudança de donos do povo.
Resultado: Jesus, aquele que queria reunir todos os filhos de Deus dispersos, vai ficar só, no completo abandono entre o céu e a terra. E entregue pelos sumos sacerdotes ao poder ocupante porque viam nele uma ameaça para a religião política do Templo e seus negócios; é denunciado pelos zelotas desesperados diante da insurreição que não acontece; é abandonado pela multidão e pelos discípulos decepcionados porque não vêem naquele galileu a presença vitoriosa de Deus, mas um vencido na cruz da maldição.
Restam algumas mulheres e alguns que pressentem que quem perde a vida, pela vida dos outros, inaugura, na própria morte, um mundo novo.
Apetece-me deixar, aqui, um fragmento de um poema de George Steiner:

"A morte não é dona das cidades,
Nem eterna a meia-noite
O coração é um subúrbio da esperança
Uma primeira pausa na fronteira."
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Precisamos de trabalhar por um mundo sem fronteiras, pela reunião dos povos, pelo abandono da política das grandes potências presentes e futuras. Jesus, na cruz, rompeu com a última das fronteiras:
a morte.»

Frei Bento Domingues O.P., Público, 9/4/2006
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Entretanto, talvez valha a pena ler este sinal dos tempos.

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